terça-feira, 16 de março de 2010

Eterno espírito único






Tio artista dos caracóis e das longas pestanas, contador de mil histórias e aventuras que muitas vezes ficavam pelas reticências…Ficando o fim suspenso em branco, restando apenas o brilho no seu olhar e um sorriso cúmplice de malandragem!

Sorriso puro de quem procurou encantar-se pela vida, pelas luzes e o calor na solidão…

Tio artista das palavras livres e sábias, das cores garridas e da eterna geometria!

Esperaste pacientemente esse dia, de finalmente chegar sossegado à tua casa!

Percorreste as estradas imensas eternamente jovem com os cabelos ao vento e o sorriso rasgado… Nesses carros clássicos antigos e na tua sempre mota! Sempre livre como um lobo solitário, mas sabendo sempre onde pertencias!

Lembro-me bem de brincar com os seus caracóis e de o ver chegar com a sua mota…

Eterno viajante partia para ir de encontro ao desconhecido com um sorriso entre as orelhas e chegava com o olhar de quem tinha histórias a contar, lenga-lengas a partilhar!

Ia e chegava com a mesma leveza, de quem é livre e sonha em voar mais alto, pois no fundo sentia ter o mundo às suas costas! Mas andava e circulava como um eterno espírito único!

Anjo caído na terra, curioso da vida e da infindável experiência, inocente nas suas intenções… vieste com vontade de descobrir!

Narrador de fértil imaginação e lógica única… Eram serões entretidos até se perder o fio da meada... Este saía sempre vitorioso como fio do pincel, das linhas e dos traços geométricos… E as cores… essas são da sua alma, pujantes como o seu sangue, sólidas pela sua força interior e o que parece ser tosco ou simples, era mesmo essa sua essência, que traçava gestos e sentimentos verdadeiros sem opacidade… Mas cada qual no seu pequeno universo, no seu pequeno quadrado, entre a sua área e dimensão… Que por sua vez se insere em múltiplos outros quadradrinhos, como pequenos frames, que se interligam a outros infinitamente e fazem parte de uma longa história!

Cresci contigo, com esse espírito que fumegava entre os vários SG Ventil e alguns cafés que se multiplicavam num pequeno encontro ou numa visita pela tarde… O tio dos caracóis e dos milhares de cigarros! Foram anos, em que talvez, procuravas a paz enquanto carregavas contigo esse mundo às costas!

Lá vinha o tio aéreo na sua mota voadora! Chegava a voar!

Olhos brilhantes de onduladas pestanas e sorriso genuíno, de quem se entrega e sente sem pudor… Eras assim… E ás vezes, barafustava ás avessas, encolhendo os ombros e recolhendo-se na sua toca, na sua casa, onde enfim estava sossegado… Fora das confusões!

Passava por excêntrico, talvez alienado da dimensão comum, mas centrado em valores comuns! Saudades desse teu eterno espírito único!

Quantos pensamentos e reflexões… Um dia disseste-me como só pensava em dinheiro… De facto agora percebo como a ordem das prioridades não estava correcta…




Pedro Basto (1956-2010)

2 comentários:

  1. um dia sentei-me à mesa ao lado deste homem menino, e pude visitar sua casa, escutá-lo, só tenho que agradecer, muito obrigado.

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  2. Depois de ver as fotografias, os trabalhos e ler o que escreveste tive que sair e ir dar uma volta.
    está lindo este post!

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